Quando eu pensei que você fosse som, descobri que é poesia

O som, a voz, o ser.
O jeito, a delicadeza, a inquietação, a possibilidade.
O nada, a incerteza, o abismo.
A aventura, o risco.
Tudo isso me traduz você.

Talvez você seja uma tempestade.
Cheiro de primavera ou calor de verão.
Talvez seja em mim, apenas estação
Talvez seja para mim, claridade.

Você deixou tudo diferente.
Uma saudade de estar perto sem nunca ter estado.
Uma união de olhar, coração e mente.
O gosto do não tocado.

Você é a inquietude.
Os versos de uma poesia.
Minha ideia ou fantasia.
A espera que tudo mude.

Quando pensei que você fosse som,
Descobri que você é poesia.
Que é em mim o tom
a cor, a luz e do dia.

Nossa velha foto polaroide

Visitei uma foto nossa, aquela velha polaroide...


Olhando nossa foto, nunca pensei que um dia precisaria de uma tela pra gente conversar, que choraria silenciosamente com uma mensagem de whatsApp sua e que brigaria feio teclando, errando todas as palavras e dizendo coisas que você realmente não gostaria de ouvir. E tudo isso eu só percebi olhando você, olhando a gente e o quanto juntos gostávamos de ser presença para o outro.

Quando eu era criança e vi pela primeira vez o telefone sem fio, fiquei dias refletindo, pensando o quanto impressionante era ouvir a voz de alguém que estava distante por um fio invisível, nem imaginava o quanto esperaria por uma ligação sua, anos depois.

Na adolescência deixei minha máquina de datilografar laranja pelo MS-DOS, windows e internet, e simplesmente, vi que tudo estava mudando, perdendo o toque, a materialidade. Era tudo tão novo que nem imaginei como iria nos afastar ao longo do tempo.

Olhando a foto vejo que ainda tenho manias antigas. Eu ainda escrevo cartas, faço cartão escrito a mão e adoro banco de praça, embora boa parte disso você nunca tenha gostado. Meu "eu" do século passado não abre mão do retrô, da espera, do correio e de sorrir com uma coisa besta como nossa foto polaroide naquele dia nublado. A tecnologia nos envolveu tanto que nos perdemos. Te afastou e te aproximou de mim. 

Eu ainda continuo preferindo o toque, o cheiro, a pele, o calor, o abraço, tudo que a tecnologia não nos permite. Gostava do seu beijo, das nossas mãos juntas e de estar ao teu lado. Muitas vezes a gente nem dizia nada, não precisava, ali era o único lugar onde realmente queria estar. 

Nossa foto polaroide é de um dia chuvoso que você insistiu em caminhar na praia, eu disse que ia chover e você riu porque já estava chovendo. Eu fiquei com muita raiva de você naquela hora, mas a foto guardou a melhor parte de mim, a melhor parte da gente. A foto guardou a sensação de "sempre" que um minuto perto de você me fazia sentir. Sou do século passado, você sabe, nasci quando meus pais não tinham telefone e nem TV, aprendi a gostar de gente, de conversa, de presença, de abraço, de aconchego, de olhar o outro demoradamente. A foto não registrou, mas tudo isso estava guardado. 

Na foto tem teu sorriso, meu olhar de fúria, nossas roupas molhadas e a nossa praia. Na mesma foto tem aquela coisa boa que a gente viveu sem nem saber que aquilo, naquele formato estranho, era felicidade, era algo que não mais se repetiria, era um dia chuvoso do qual sentiríamos saudade. Nossa foto polaroide é para onde eu vou, todas as vezes que eu quero sentir que vivemos o passado mais doce que poderíamos ter vivido, e que neste lugar, nada é mais sagrado do que esse sentimento sem nome que só pode existir quando estamos juntos. 

O que a gente viveu ainda não tem definição, está guardado nessa foto polaroide, no ângulo exato que nos permite, por um minuto que seja, sem dizer uma palavra, sentir aquela coisa boa e inexplicável que acontece, quando nossos olhos se encontram, e desse encontro nasce, o sagrado infinito de nossas almas que são uma para a outra, a permissão de viverem um segundo de eternidade no lugar que chamamos de paraíso.



Quando penso em amor, só penso em você

É incrível como o tempo passou, nossas vidas tomaram rumos completamente opostos, mas quando penso em amor, só penso em você. No coração acelerado, no sorriso, no beijo, no abraço, na vontade louca de estar perto, de viver ao seu lado, de compartilhar contigo tantas coisas que aconteceram no tempo que estamos distantes, vivendo um sem o outro.

Talvez o "você" que eu pense, seja apenas aquele que eu, na minha mais intensa paixão, tenha criado, sonhado, idealizado. Talvez esse "você" que vem a minha mente, nem se quer nasceu ainda, nos desencontramos ou nos encontramos em outro lugar. Pode ser a gentileza de um abrigo em dia de chuva, o sorriso de felicidade de quem conseguiu o que sonhou, um obrigada inesperado, um dia feliz não esquecido. Não sei, sei apenas que teu sorriso continua lindo, o teu olhar tem brilho de vida e o teu calor, aquece meus sonhos.

Na noite passada eu tive um sonho, engraçado, nele trabalhávamos juntos. Você sorriu e tudo parecia perfeito. Tudo isso durou um tempo tão curto, de repente foram apenas milésimos de segundos, talvez um instante. Não sei se eu fui ou se você veio, mas estivemos juntos, estivemos perto. Eu pude ver o sorriso que se perdeu do traçado do meu rosto, quando nossos olhos se olharam. Meu coração estava enfim feliz. Foi apenas o olhar, apenas isso. Aquele olhar que silenciosamente confessa o quanto ainda existimos, um para o outro. Não falamos nada, uma só palavra, apenas nos olhamos demoradamente e nos apaixonamos como todas as vezes que te vi.

Já tentei não pensar em você, mas basta uma música e ali está você, nas melhores lembranças que nem sequer vivi. Nos sonhos, no emaranhado de fantasias que eu criei ao teu lado. Você está nos desejos da minha alma. Você continua no meu coração inquieto, nas minhas memórias e nos meus sonhos. Você continua vivo na certeza que tenho que ainda existimos.

Um dia, talvez eu entenda porque ainda penso em você por tanto tempo, por tantas vidas, e por tantos momentos, na espera que você esteja realmente presente não só no meu coração, mas nos meus braços.


Tempos diferentes

Tenho uma leve suspeita que nascemos em um tempo errado ou chegamos atrasados ao nosso primeiro encontro.

Nos desencontramos tanto, que não consigo contar.

Ele chegou e conheceu outra pessoa. Eu cheguei depois e o vi partir. Ele se apaixonou, claro, ela era surpreendente. 

Algo transitório? Não! Não definiria assim. Digamos que foi um "estágio", um processo, um momento, uma lição, um aprendizado, mas eu sabia, não era permanente. Nem pra mim, nem pra ele. 

O tempo passou. Ele terminou, eu terminei. Choramos a saudade. 

Tivemos, ao nosso jeito, que reencontrar novamente formas de viver sem o outro, sem aquele outro que pensamos no momento que era o nosso. Começamos novamente e estivemos muito mais perto, eu cheguei, esperei. Ele chegou, se apaixonou novamente e perdeu a hora. Essa, diferente das outras, foi uma grande paixão. Ele pensou "é ela". Eu me apaixonei, não tinha dúvidas, havia o encontrado. Eu não fui tão longe, o que parecia porto se tornou brisa. Ele seguiu, mas nem tanto, logo fomos novamente visitado por nossa velha e companheira amiga, a ausência.

Retomei o caminho. Cheguei mais cedo, sentei e o vi chegar. Estamos no dia certo e no lugar exato. Ele se aproximou. Eu o senti a temperatura mudar. Eu estou pronta. Ele não. Eu sei exatamente quem ele é. Ele ainda não entendeu quem eu sou. Ele ainda sofre de ausência. Eu ainda sofro de espera. Estamos em tempos diferentes. Eu esperando por ele, ele esperando por ela. 

Eu estou aqui, esperando por dele. Ele está ali, correndo por ela. Os ponteiros ainda estão distantes. Um dia, eles vão se igualar e quando isso acontecer, poderei olhá-lo demoradamente, ele poderá me olhar e me reconhecer. Neste momento, talvez, possamos entender que não existia "se", mais cedo ou mais tarde iriamos nos encontrar. Quando isso acontecer, nenhuma palavra será necessária, saberemos que este é o único lugar onde realmente desejamos estar.

Abril de 2013



Quando terminar a travessia... volto para você!

Quantas travessias precisamos fazer para enxergar, para arriscar, para se permitir, para se encontrar? 

Não sei se encontrei "Ilhados", acredito que ele me encontrou.

Quando embarquei para o arquipélago, jamais imaginaria me perceber envolvida.Tudo começou quando conheci Nico, o personagem principal. Ele é um pequeno espelho de todos nós, leitores. É a inexperiência e o medo, a amizade e o amor, a descoberta e a inocência, é a definição da nossa fase mais bela, do período que a gente simplesmente transforma um minuto em infinito. Arnaud é o desejo, o desconhecido, o horizonte, a possibilidade, o sonho, a insensatez, o risco, o perigo, o encanto, o encontrar do paraíso.

A ingenuidade se apaixona pelo incerto. A incerteza paira. De um lado, a pureza de quem nunca realmente amou. Do outro lado, o medo de quem já se despediu. Tudo era tão novo para ambos, tudo era começar. Ambos estavam certos de onde estavam. Nico acreditava que nunca sairia daquele lugar, era o menino da ilha. Arnaud acreditava que seria apenas cumprir uma promessa de travessia. Ambos só não percebiam que em cada um existia um mundo e quando se encontrassem, visitariam o paraíso e descobririam que o infinito dura o eterno de um segundo.

Todos queriam sair da ilha, menos Nico. Todos queriam aventura, conhecer pessoas, arriscar. Elisa, a amante aventureira, o fez descobrir-se aos poucos, entender o que era sintonia, química, partilha e energia. Rebeca é a amizade. Aquela que enxerga de fora, aquela que o vê por inteiro. Américo e Augusto, amigos e testemunhas de uma juventude singular.

Os pais... quando nasce um filho, nascem os pais. Não chegamos com manual de instrução, mas eles nos recebem e do seu jeito simples, nos ensinam a ver o mundo. As vezes nem sabem direito como fazer, apenas tentam, nem sempre acertam. A dor que é nossa, parece ferir. Nossa tristeza transcende seu intendimento e os faz perceber o quanto impotentes são. Que vamos nos descobrir, nos apaixonar, nos ferir. Eles querem nos proteger, embora não entendamos, embora nem eles entendam. A figura dos pais em Ilhados é um leque de personalidades. Tem pais que não sabem falar, apenas gritam; outros temem tanto que se afastam; e tem aqueles, como os de Nico, que sentem, mas não sabem como dizer: tudo bem. É a forma mais bela de ver os pais, poder perceber que eles também são frágeis, que eles choram e sentem medo, que um dia eles partem e nos deixam com a sensação de ninho vazio, sem o calor das asas.

A construção psicológica dos personagens nos faz sentir em cada detalhe. O tremor do nervosismo, o medo de errar, a felicidade de sentir que enfim, se encontrou. A sensibilidade da escrita do autor toca a intimidade de quem ler. O medo, os sonhos, os desejos, o beijo... cada particularidade é sentida com todo calor do momento, seja calmaria ou tempestade. O cheiro, a brisa, o sol, o mar e o amor é experienciado sem que possamos perceber, estamos ali, incorporando os personagens e se permitindo, se vendo, se percebendo, simplesmente estamos ali, sentindo.

Os personagens me pareciam tão simples, tão despretensiosos quando comecei. Não li sinopse, não ouvi playlist, não olhei os capítulos. Curiosa fui direto ao texto. Nada parecia diferente do que eu imaginava em um romance. Um menino, uma amiga, um arquipélago, sexo, sol e a sensação ilusória de viver em um paraíso. Tudo parecia tão comum e tão tranquilo. Arnaud chegou e com ele a sensação que existia algo além dos limites até então conhecidos. A definição de paraíso não era mais um espaço a céu aberto, e sim ser presença para o outro, incondicionalmente.

Ilhados é um livro de amor, de descoberta e de recomeçar, de Nico e Arnaud, sim dois homens, dois personagens cuidadosamente pensados com características e sentimentos tão humanos e tão delicados que nos percebemos em cada detalhe. A história deles, não diferente das nossas, é o encontro, é o compartilhar a vida, de ser com o outro a possibilidade de viver essa experiência terrena da forma mais bela e singular, de ser com o outro a construção do paraíso, o porto seguro, o único lugar para o qual sempre desejemos voltar. O fim e o inicio. O terminar de uma etapa e o iniciar de outra. É ir, partir, deixar ir e voltar, ter para quem voltar. Ilhados nos possibilita experienciar o amor desmedido e quanta beleza existe nas diversas formas de fechar ciclos, deixar ir, recomeçar e amar, e ter, sem dúvidas, para quem voltar. 



Experimente!

Luke, obrigada pela leitura, você escreve com alma!


Você se "toca"?!

E aí, você "se toca"? 

"Se toca" quando alguém te violenta?
"Se toca", se descobre, se conhece, se gosta, se ama? Você sabe do que gosta?
Você "se toca" quando te usam?
Você "se toca" que o filho é teu e só teu?
"Se toca" que a culpa do aborto é só tua e o teu companheiro nunca é responsabilizado?
Você já "se tocou" que a discussão sobre o aborto é feita por homens, mas os homens não geram?

Você já "se tocou"?

Assistimos "She's Beautiful When She's Angry" e saímos para discutir. O convite foi extenso, estava em uma rede social (facebook), por inúmeros motivos, nem todas foram, mas nós fomos, eu, Dayse e Sol, estivemos presente, e que presente foi este momento!

O Sorriso de Monalisa abrilhantou o debate, principalmente referente aos posicionamentos da professora Katherine Watson, representada pela atriz Julia Roberts, a qual percebeu que toda a sua luta não era para que aquelas alunas brilhantes se tornassem jovens intelectuais, mas para que elas entendessem que não estavam limitadas ao "lar", mas que toda luta é para que tenham o direito de ser e escolher o que quiser. Não diferente da Professora Watson, Anne Frank, uma adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto, escreveu em seu diário no dia 13 de junho de 1944 que naquele momento as mulheres eram vistas como inferiores, mas que tinha esperança de um futuro próximo no qual "a ideia de que é dever da mulher ter filhos mudará e abrirá caminho para o respeito e a admiração a todas as mulheres, que carregam seus fardos sem reclamar e sem um monte de palavras pomposas!". Seu pensamento, século XX, vindo de uma garota de 14 anos nos impactou. A consciência do lugar da mulher no contexto em que se encontrava e sua esperança de dias melhores.

A discussão que se foca no documentário "She's Beautiful When She's Angry" nos apontou algumas discussões interessantes. "Não queremos a fatia do bolo, queremos mudar a receita", uma das falas no documentário nos mostra a necessidade, ainda presente e pertinente, de se entender o que é o feminismo. Não se trata de um pedaço, de um espaço. Trata-se de respeito, de igualdade de valorização e de reconhecimento. 

Gravidez; aborto; esterilização; orientação sexual; violência doméstica, sexual, moral e psicológica; valorização intelectual e profissional; desejo, paixão, autoestima e respeito foram e continuam sendo a pauta do dia. 

A gravidez unilateral. A gravidez que é responsabilidade da mulher, dentro e fora do útero. O aborto que é discutido na ótica masculina. Ontem a esterilização enquanto política pública para mulheres pobres e hoje o aborto ilegal praticado por mulheres pobres, em ambos os casos, não existia/existe "possibilidade" para ambas. A orientação sexual feminina confunde-se conceitualmente com o feminismo. Percebemos ontem que antes de mais nada é preciso estudar, entender, aprender. Ser feminista não determina orientação sexual ou estilo visual, mas desejo que todas possam escolher e decidir sobre sua vida. 

A violência contra a mulher se faz presente. Quantas mulheres morreram hoje? Faça uma busca simples, estamos no vigésimo quarto dia de 2019, quantas de nós silenciaram? quantas de nós neste momento estão sendo xingadas, humilhadas ou ameaçadas? quantas de nós são criticadas continuamente por seus companheiros? quantas de nós são desvalorizadas, debochadas, diminuídas? quantas de nós tem um companheiro que a deixa confusa e a faz acreditar que tudo que a deixa menor é coisa da sua cabeça? quantas de nós tem alguém que a controla? quantas de nós hoje apanhou? quantas de nós são obrigadas a ter relações sexuais? quantas de nós são forçadas a engravidar ou abortar por seus companheiros? quantas de nós sofrem violência patrimonial, tendo sua renda controlada pelo companheiro? 
Quantas de nós tem medo de falar? 
Quantas de nós ainda não percebeu?

Quanto trata-se do trabalho, assumimos inúmeras cargas de trabalho, mas ainda somos menores na hora do reconhecimento. Quantas de nós tem uma trajetória de efetiva luta pelo seu espaço de reconhecimento intelectual e profissional? Quantas de nós ainda não percebeu a leoa que é?!


Quantas de nós ainda não sabe o que é prazer, preocupada em "agradar" o outro? Quantas de nós ainda pensa que é importante ser foda para o outro? Quantas de nós nunca sentiu prazer, mas está tão envolvida no contexto cultural do príncipe encantado que ainda não desencantou? Quantas de nós ainda vive no mundo das ideias, na idealização que criou?

Quantas de nós ainda não "se tocou"?

PICHAÇÃO: arte ou subversão? algumas reflexões pessoais

Sábado, dia 29 de julho de 2017, na Livraria do Luiz, Galeria Augusto dos Anjos, Centro Histórico de João Pessoa, houve um debate intitulado "PICHAÇÃO: arte ou subversão?". O tema é complexo, fato. O grafite, na ocasião, foi contemplado enquanto arte. Técnica específica com forma, característica, estudo, estrutura, essência, poesia e um(a) "artista". De acordo com o Antropólogo Carlos Azevedo, presente na mesa: "O grafite nos provoca emoção, nos aciona os sentimentos, nos envolve em emotividade". O grafite denuncia e paralisa. Ele nos estaciona, nos questiona. O grafite ultrapassa o limite da expressão e se configura enquanto arte. No entanto, o grafite é arte quando é legal, quando é permitido. Grafite, por mais belo, pela mais perfeita técnica que apresente, em muros de escolas, fachadas de casas, instituições públicas ou privadas, Igrejas ou Templos variados, Monumentos, entre outros, sem permissão do proprietário/órgão, é ilegal, e consequentemente, é crime*. 

No entanto, o "pixo", em si, foi a grande discussão do debate. Arte ou subversão? Eis a provocação inicial. Mas, o que é arte? O que define ou conceitua "arte"? Pichação é arte? A mesa se dividiu, o público se dividiu, mas o debate seguiu um mesmo rumo. 

Na ocasião, foi exibido um documentário intitulado "Pixo", que retrata a origem da pichação enquanto fenômeno social em São Paulo no ano de 2008. O documentário deixa claro que "pixo" é a arte da periferia. O Antropólogo, e também Grafiteiro, Thayroni Arruda, presente na mesa, não concorda, conduzindo o público a reflexão de quem está por trás do "pixo". O contexto de vida e o espaço social do pichador. Se o "pixo" é a luta pela cidade, é o debate entre o problema estético x a propriedade privada; se é a juventude marginalizada que deseja garantir seu espaço; quem é este sujeito, quem é o "pichador"? 

De acordo com estes questionamentos, surge uma voz delicada em meio aos ouvintes: "Vocês precisam dialogar com os pichadores, conhecer os espaços, participar das ações, viver o cotidiano deles. Vocês precisam "ir" até eles". O que esta colocação provocou em minha mente foi: Quem? Onde? Quando? Ficou claro que a pichação é uma forma de expressão da juventude inquieta. Inicialmente, a juventude pobre e marginalizada, a juventude de periferia, a juventude sem oportunidades (tal como o pichador que picha e não sabe ler, fato impressionante do documentário), a juventude que denuncia, que exige do sistema "providências", que luta pelo seu espaço, por seus valores. No entanto, esta "juventude", tal como mencionado no momento, não é formada apenas por grupos de jovens "marginalizados" (usando a palavra para designar à margem da sociedade), de periferia ou pobres. Mas, também, por sujeitos da classe média e alta. Quão complexo se tornou o debate para minhas reflexões. Agora entender este sujeito e suas motivações tomou outros rumos: pessoal e coletivo. Para além dos jovens da periferia, privados de inúmeros direitos, o que o jovem classe média alta está reivindicando? Que espaço ele quer conquistar? Qual sua subversão? Que sistema é este que ele denúncia? Que espaço é este que ele reivindica? Qual a sua causa? Existe uma causa de representatividade coletiva?

A pichação, a meu ver, é um fenômeno social, sem dúvida. Um fenômeno que precisa ser compreendido na ótica de um contexto espacial e temporal. Se pensarmos em técnica, estudo e característica específica, a pichação possui. Durante muito tempo, ao meu ver, enquanto cidadã, se tratava de um ato de expressão e subversão contemplado em cada momento da história. Uma forma de registro de um processo histórico. E ainda consigo enxergar desta forma. Ainda consigo ver a denúncia social, histórica e política em "pixos" da minha cidade. E sempre acreditei, que tal como um processo, diante de um momento de mutação e crise, a subversão se fez/faz presente de alguma forma. 


Fotografia do Acervo pessoal da autora. João Pessoa, 2017

Quem é o pichador atrás da tag? Qual sua motivação, qual sua necessidade de expressão? Estas são as inquietações de "sentido" que ficaram em minha mente. Uma parte considerável destes pichadores transitam por todos os espaços, tal como afirma uma outra colocação foi feita no debate advinda do público presente, que diz o seguinte: "Na Carta do Lyceu Paraibano, está destacado um grafiteiro reconhecido que é um dos grandes pichadores da cidade". Daí me veio a outra inquietação, "qual grafiteiro está isento do passado (e presente pichador)?" Esta dualidade em um mesmo elemento chama minha atenção, também. A manutenção das duas vertentes em uma só pessoa aponta para uma necessidade de denuncia, e ao mesmo tempo, reconhecimento artístico na sociedade. O mesmo elemento que dialoga/serve/representa a elite artística e intelectualizada, que se faz elite, reconhecido e renomado "artista" nos espaços, se expressa na sua vertente de pichador, no anonimato público e no reconhecimento das tribos urbanas. Interessante a dualidade do ser humano enquanto sujeito de expressão. Ele é múltiplo, fato. Ele causa, provoca, denuncia e divulga. Ele é parte do que faz e do que critica. Ele se "transforma" pela arte e se "perde" pela ação. Quem é ele e o que ele quer dizer? Eis o silêncio que ficou nas minhas inquiestações.


*Lei n.º 12.408/2011, Art. 65, § 2o Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.”

Quando eu pensei que você fosse som, descobri que é poesia

O som, a voz, o ser. O jeito, a delicadeza, a inquietação, a possibilidade. O nada, a incerteza, o abismo. A aventura, o risco. Tudo iss...