Você se "toca"?!

E aí, você "se toca"? 

"Se toca" quando alguém te violenta?
"Se toca", se descobre, se conhece, se gosta, se ama? Você sabe do que gosta?
Você "se toca" quando te usam?
Você "se toca" que o filho é teu e só teu?
"Se toca" que a culpa do aborto é só tua e o teu companheiro nunca é responsabilizado?
Você já "se tocou" que a discussão sobre o aborto é feita por homens, mas os homens não geram?

Você já "se tocou"?

Assistimos "She's Beautiful When She's Angry" e saímos para discutir. O convite foi extenso, estava em uma rede social (facebook), por inúmeros motivos, nem todas foram, mas nós fomos, eu, Dayse e Sol, estivemos presente, e que presente foi este momento!

O Sorriso de Monalisa abrilhantou o debate, principalmente referente aos posicionamentos da professora Katherine Watson, representada pela atriz Julia Roberts, a qual percebeu que toda a sua luta não era para que aquelas alunas brilhantes se tornassem jovens intelectuais, mas para que elas entendessem que não estavam limitadas ao "lar", mas que toda luta é para que tenham o direito de ser e escolher o que quiser. Não diferente da Professora Watson, Anne Frank, uma adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto, escreveu em seu diário no dia 13 de junho de 1944 que naquele momento as mulheres eram vistas como inferiores, mas que tinha esperança de um futuro próximo no qual "a ideia de que é dever da mulher ter filhos mudará e abrirá caminho para o respeito e a admiração a todas as mulheres, que carregam seus fardos sem reclamar e sem um monte de palavras pomposas!". Seu pensamento, século XX, vindo de uma garota de 14 anos nos impactou. A consciência do lugar da mulher no contexto em que se encontrava e sua esperança de dias melhores.

A discussão que se foca no documentário "She's Beautiful When She's Angry" nos apontou algumas discussões interessantes. "Não queremos a fatia do bolo, queremos mudar a receita", uma das falas no documentário nos mostra a necessidade, ainda presente e pertinente, de se entender o que é o feminismo. Não se trata de um pedaço, de um espaço. Trata-se de respeito, de igualdade de valorização e de reconhecimento. 

Gravidez; aborto; esterilização; orientação sexual; violência doméstica, sexual, moral e psicológica; valorização intelectual e profissional; desejo, paixão, autoestima e respeito foram e continuam sendo a pauta do dia. 

A gravidez unilateral. A gravidez que é responsabilidade da mulher, dentro e fora do útero. O aborto que é discutido na ótica masculina. Ontem a esterilização enquanto política pública para mulheres pobres e hoje o aborto ilegal praticado por mulheres pobres, em ambos os casos, não existia/existe "possibilidade" para ambas. A orientação sexual feminina confunde-se conceitualmente com o feminismo. Percebemos ontem que antes de mais nada é preciso estudar, entender, aprender. Ser feminista não determina orientação sexual ou estilo visual, mas desejo que todas possam escolher e decidir sobre sua vida. 

A violência contra a mulher se faz presente. Quantas mulheres morreram hoje? Faça uma busca simples, estamos no vigésimo quarto dia de 2019, quantas de nós silenciaram? quantas de nós neste momento estão sendo xingadas, humilhadas ou ameaçadas? quantas de nós são criticadas continuamente por seus companheiros? quantas de nós são desvalorizadas, debochadas, diminuídas? quantas de nós tem um companheiro que a deixa confusa e a faz acreditar que tudo que a deixa menor é coisa da sua cabeça? quantas de nós tem alguém que a controla? quantas de nós hoje apanhou? quantas de nós são obrigadas a ter relações sexuais? quantas de nós são forçadas a engravidar ou abortar por seus companheiros? quantas de nós sofrem violência patrimonial, tendo sua renda controlada pelo companheiro? 
Quantas de nós tem medo de falar? 
Quantas de nós ainda não percebeu?

Quanto trata-se do trabalho, assumimos inúmeras cargas de trabalho, mas ainda somos menores na hora do reconhecimento. Quantas de nós tem uma trajetória de efetiva luta pelo seu espaço de reconhecimento intelectual e profissional? Quantas de nós ainda não percebeu a leoa que é?!


Quantas de nós ainda não sabe o que é prazer, preocupada em "agradar" o outro? Quantas de nós ainda pensa que é importante ser foda para o outro? Quantas de nós nunca sentiu prazer, mas está tão envolvida no contexto cultural do príncipe encantado que ainda não desencantou? Quantas de nós ainda vive no mundo das ideias, na idealização que criou?

Quantas de nós ainda não "se tocou"?

2 comentários:

  1. Excelente reflexão! Que nós mulheremos nos conscientizemos da violência que nos é dirigida todos os dias de diferentes formas e, sobretudo, por aqueles que nos diz nos amar. O amor que violenta, que desvalozira, que desrespeita nunca foi amor é opressão de quem se acha superior. Parabéns Márcia pela sensibilidade em colocar nosso debate nesse belissino texto. Um abraço

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  2. Parabéns, Márcia, pela excelente reflexão!!
    Colocou em tão bela palavras o nosso debate, que possamos continuar e ampliar esse diálogo para que outras mulheres possam tomar consciência e, enfim, "se tocar". Um abraço.

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