Nossa velha foto polaroide

Visitei uma foto nossa, aquela velha polaroide...


Olhando nossa foto, nunca pensei que um dia precisaria de uma tela pra gente conversar, que choraria silenciosamente com uma mensagem de whatsApp sua e que brigaria feio teclando, errando todas as palavras e dizendo coisas que você realmente não gostaria de ouvir. E tudo isso eu só percebi olhando você, olhando a gente e o quanto juntos gostávamos de ser presença para o outro.

Quando eu era criança e vi pela primeira vez o telefone sem fio, fiquei dias refletindo, pensando o quanto impressionante era ouvir a voz de alguém que estava distante por um fio invisível, nem imaginava o quanto esperaria por uma ligação sua, anos depois.

Na adolescência deixei minha máquina de datilografar laranja pelo MS-DOS, windows e internet, e simplesmente, vi que tudo estava mudando, perdendo o toque, a materialidade. Era tudo tão novo que nem imaginei como iria nos afastar ao longo do tempo.

Olhando a foto vejo que ainda tenho manias antigas. Eu ainda escrevo cartas, faço cartão escrito a mão e adoro banco de praça, embora boa parte disso você nunca tenha gostado. Meu "eu" do século passado não abre mão do retrô, da espera, do correio e de sorrir com uma coisa besta como nossa foto polaroide naquele dia nublado. A tecnologia nos envolveu tanto que nos perdemos. Te afastou e te aproximou de mim. 

Eu ainda continuo preferindo o toque, o cheiro, a pele, o calor, o abraço, tudo que a tecnologia não nos permite. Gostava do seu beijo, das nossas mãos juntas e de estar ao teu lado. Muitas vezes a gente nem dizia nada, não precisava, ali era o único lugar onde realmente queria estar. 

Nossa foto polaroide é de um dia chuvoso que você insistiu em caminhar na praia, eu disse que ia chover e você riu porque já estava chovendo. Eu fiquei com muita raiva de você naquela hora, mas a foto guardou a melhor parte de mim, a melhor parte da gente. A foto guardou a sensação de "sempre" que um minuto perto de você me fazia sentir. Sou do século passado, você sabe, nasci quando meus pais não tinham telefone e nem TV, aprendi a gostar de gente, de conversa, de presença, de abraço, de aconchego, de olhar o outro demoradamente. A foto não registrou, mas tudo isso estava guardado. 

Na foto tem teu sorriso, meu olhar de fúria, nossas roupas molhadas e a nossa praia. Na mesma foto tem aquela coisa boa que a gente viveu sem nem saber que aquilo, naquele formato estranho, era felicidade, era algo que não mais se repetiria, era um dia chuvoso do qual sentiríamos saudade. Nossa foto polaroide é para onde eu vou, todas as vezes que eu quero sentir que vivemos o passado mais doce que poderíamos ter vivido, e que neste lugar, nada é mais sagrado do que esse sentimento sem nome que só pode existir quando estamos juntos. 

O que a gente viveu ainda não tem definição, está guardado nessa foto polaroide, no ângulo exato que nos permite, por um minuto que seja, sem dizer uma palavra, sentir aquela coisa boa e inexplicável que acontece, quando nossos olhos se encontram, e desse encontro nasce, o sagrado infinito de nossas almas que são uma para a outra, a permissão de viverem um segundo de eternidade no lugar que chamamos de paraíso.



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